Por que Maria não pôde tocar em Jesus? Uma perspectiva do primeiro século
O Evangelho de João apresenta um episódio intrigante logo após a ressurreição de Jesus. Quando Maria Madalena O encontra junto ao túmulo, Ele lhe diz: "Não me toque, pois ainda não voltei para o Pai" (João 20:17). No entanto, dias depois, Jesus convida Tomé a tocar em Suas feridas (João 20:27). Por que essa diferença de tratamento? Para compreender essa passagem, é necessário explorar os aspectos culturais, sociais e religiosos do primeiro século, especialmente no contexto judaico.
O Contexto Judaico e a Pureza Ritual
A sociedade judaica do primeiro século era fortemente influenciada pelas leis de pureza ritual estabelecidas na Torá. O contato com elementos considerados impuros tornava uma pessoa cerimonialmente impura, impedindo-a de participar de certas atividades sagradas, especialmente no templo. Essas normas eram seguidas rigorosamente pelos sacerdotes e, de modo ainda mais estrito, pelo sumo sacerdote, que no Dia da Expiação (Yom Kipur) deveria evitar qualquer impureza antes de entrar no Santo dos Santos (Levítico 16).
Jesus, sendo o Sumo Sacerdote definitivo (Hebreus 9:11), estava prestes a ascender ao Pai para realizar Sua obra redentora no tabernáculo celestial. Sua pureza cerimonial precisava ser preservada para cumprir essa função sacerdotal. Maria Madalena, por ser uma mulher e possivelmente estar em estado de impureza ritual (por exemplo, devido ao ciclo menstrual ou contato com a morte), poderia torná-Lo ritualmente impuro caso o tocasse. Portanto, Jesus a impede de tocá-Lo, pois ainda não havia completado essa fase de Sua missão.
A Diferença no Tratamento de Tomé
Dias depois, quando Jesus aparece a Tomé e aos demais discípulos, Ele já havia subido ao Pai e cumprido Seu papel sacerdotal. Dessa forma, o risco de impureza cerimonial já não era mais um problema. Por isso, Ele convida Tomé a tocar Suas feridas, pois agora Sua missão sacerdotal havia sido concluída, e Ele assumia plenamente Suas funções de Profeta e Rei.
Implicações Teológicas e Messiânicas
Esse evento reflete a profundidade do ministério de Jesus, que não apenas cumpriu a Lei, mas a transcendeu ao oferecer um sacrifício definitivo pelos pecados da humanidade. Sua ressurreição inaugurou um novo tempo, onde o templo físico seria substituído por Sua própria presença como mediador entre Deus e os homens (1 Timóteo 2:5).
Além disso, a interação com Maria Madalena destaca a posição das mulheres no ministério de Jesus. Em uma sociedade em que o testemunho feminino era frequentemente desconsiderado, Ele a escolheu como a primeira testemunha de Sua ressurreição, dando-lhe a missão de anunciar a boa nova aos discípulos. Isso demonstra um rompimento com as normas sociais da época e reafirma o papel das mulheres no Reino de Deus.
Conclusão
O episódio de Maria Madalena e Tomé ilustra como Jesus cumpriu Suas funções messiânicas em diferentes estágios. Como Sumo Sacerdote, Ele manteve Sua pureza cerimonial antes de apresentar Seu sacrifício no tabernáculo celestial. Como Profeta e Rei, Ele permitiu que Tomé O tocasse, demonstrando a realidade de Sua ressurreição. A riqueza desse relato nos convida a aprofundar nossa compreensão sobre a obra redentora de Cristo e Seu papel como mediador da nova aliança.
Dessa forma, a aparente contradição no tratamento dado a Maria e Tomé se dissolve quando analisamos as exigências rituais e a progressão da missão de Jesus. Esse episódio reforça a soberania de Cristo em cada detalhe de Seu ministério, cumprindo perfeitamente as promessas de Deus para a redenção da humanidade.
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