Apostila Bibliologia - Como a Bíblia chegou até nós



Apresentação:




De onde nos veio a Bíblia? Como podemos ter certeza de que só os
livros certos foram incluídos na Bíblia? A Bíblia contém erros? Quais são
as cópias mais antigas da Bíblia de que dispomos? Como podemos ter
certeza de que o texto da Bíblia não foi mudando ao longo dos anos? Por
que há tantas traduções da Bíblia, e qual delas devo usar? Essas são apenas
algumas das muitas perguntas importantes acerca da Bíblia, cujas respostas
são debatidas neste livro.

Com simplicidade e clareza, os autores discutem os seguintes
aspectos, dentre outros: a inspiração, o cânon bíblico, os principais
manuscritos, a crítica textual, as traduções mais antigas e as versões
modernas. À medida que vão cobrindo todo o campo da Introdução ao
Estudo da Bíblia, encontram-se por todas as páginas do livro explicações
cuidadosas dos pontos mais significativos.


Sumário

Capítulo 1. O Caráter da Bíblia

A Bíblia é um livro único. Trata-se de um dos livros mais antigos do mundo e continua sendo também o mais vendido. É um livro quer tem como origem o  mundo oriental antigo, porém, o mundo ocidental moderno tem suas bases em seus ensinamentos.
Vamos estudar um pouco deste livro incrível.

A estrutura da Bíblia

A palavra Bíblia (Livro) entrou para as línguas modernas por intermédio do francês, passando primeiro pelo latim biblia, com origem no grego biblos. Originariamente era o nome que se dava à casca de um papiro do século XI a.C. Por volta do século II d.C, os cristãos usavam a palavra para designar seus escritos sagrados.

Os dois testamentos da Bíblia

A Bíblia compõe-se de duas partes principais: o Antigo Testamento e o Novo Testamento. O Antigo Testamento foi escrito pela comunidade judaica, e por ela preservado um milênio ou mais antes da era de Jesus.

O Novo Testamento foi composto pelos discípulos de Cristo ao longo do século I d.C.
A palavra testamento, que seria mais bem traduzida por "aliança", é tradução de palavras hebraicas e gregas que significam "pacto" ou "acordo" celebrado entre duas partes ("aliança"). Portanto, no caso da Bíblia, temos o contrato antigo, celebrado entre Deus e seu povo, os judeus, e o pacto novo, celebrado entre Deus e os cristãos.
Estudiosos cristãos frisaram a unidade existente entre esses dois testamentos da Bíblia sob o aspecto da Pessoa de Jesus Cristo, que declarou ser o tema unificador da Bíblia.1 Agostinho dizia que o Novo Testamento acha-se velado no Antigo Testamento, e o Antigo, revelado no Novo.

 

 

 

 

 

 

 





As seções da Bíblia

A Bíblia divide-se comumente em 8 seções, 5 no Velho Testamento e 4 no Novo Testamento:

LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO
A  Lei (Pentateuco)
Poesia
1. Gênesis
2. Êxodo
3. Levítico
4. Números
5. Deuteronômio

1. Jó
2. Salmos
3. Provérbios
4. Eclesiastes
5. O Cântico dos Cânticos

História
Profetas
1. Josué
2. Juízes
3. Rute
4. 1Samuel
5. 2Samuel
6. 1Reis
7. 2Reis
8. 1Crônicas
9. 2Crônicas
10. Esdras
11. Neemias
12. Ester

Maiores
Menores
1. Isaías
2. Jeremias
3. Lamentações
4. Ezequiel
5. Daniel

1. Oséias
2. Joel
3. Amós
4. Obadias
5. Jonas
6. Miquéias
7. Naum
8. Habacuque
9. Sofonias
10. Ageu
11. Zacarias
12. Malaquias


LIVROS DO NOVO TESTAMENTO
Evangelhos
História
1. Mateus
2. Marcos
3. Lucas
4. João
1. Atos dos apóstolos
Epístolas
1. Romanos
2. 1Coríntios
3. 2Coríntios
4. Gálatas
5. Efésios
6. Filipenses
7. Colossenses

8. 1Tessalonicenses
9. 2Tessalonicenses
10. 1Timóteo
11. 2Timóteo
12. Tito
13. Filemom
14. Hebreus

15. Tiago
16. 1Pedro
17. 2Pedro
18. 1João
19. 2João
20. 3João
21. Judas
Profecia
1. Apocalipse

LIVROS DOANTIGO TESTAMENTO
A divisão do Antigo Testamento em quatro seções baseia-se na disposição dos livros por tópicos, com origem na tradução das Escrituras Sagradas para o grego. Essa tradução, conhecida como a Versão dos septuaginta (LXX), iniciara-se no século III a.C.



A Bíblia hebraica não segue essa divisão tópica dos livros, em quatro partes. Antes, emprega-se uma divisão de três partes, talvez baseada na posição oficial de seu autor.

BÍBLIA HEBRAICA
LEI (Tora)
PROFETAS (Nebhiim)

ESCRITOS(Kethubhim)
1. Gênesis
2. Êxodo
3. Levítico
4. Números
5. Deuteronômio

A. Profetas anteriores
1. Josué
2. Juízes
3. Samuel
4. Reis
B. Profetas posteriores
1. Isaías
2. Jeremias
3. Ezequiel
4. Os Doze

A. Livros poéticos
1. Salmos
2. Provérbios
3. Jó
B. Cinco rolos (Megilloth)
1. O Cântico dos Cânticos
2. Rute
3. Lamentações
4. Ester
5. Eclesiastes
C. Livros históricos
1. Daniel
2. Esdras-Neemias
3. Crônicas

Esta é a disposição encontrada nas edições judaicas modernas do Antigo Testamento. Cf.
The Holy Scríptures, according to the Masoretic Text e Bíblia hebraica, organizada por
Rudolph Kittel e Paul E. Kahle.

DISPOSIÇÃO DOS LIVROS DOANTIGO TESTAMENTO
O Novo Testamento faz uma possível alusão a uma divisão em três partes do Antigo Testamento, quando Jesus disse: "... era necessário que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos" (Lc 24.44).

A despeito do fato de o Judaísmo ter mantido uma divisão tríplice até a presente data, a Vulgata latina, de Jerônimo, e as Bíblias posteriores a ela seguiriam o formato mais tópico das quatro partes em que se divide a septuaginta. Se combinarmos essa divisão com outra, mais natural e largamente aceita, também de quatro partes, do Novo Testamento, a Bíblia pode ser divida na estrutura geral e cristocêntrica apresentada no quadro seguinte.

Ainda que não existam razões de ordem divina para dividirmos a Bíblia em oito partes, a insistência cristã em que as Escrituras devam ser entendidas tendo Cristo por centro baseia-se nos ensinos do próprio Cristo.











Cerca de cinco vezes no Novo Testamento, Jesus afirmou ser ele próprio o tema do Antigo Testamento (Mt 5.17; Lc 24.27; Jo 5.39; Hb 10.7). Diante dessas declarações, é natural que analisemos essa divisão das Escrituras, em oito partes, por tópicos, sob o aspecto de seu tema maior — Jesus Cristo.
Antigo

ANTIGO TESTAMENTO
Lei
História
Poesia
Profecia

Fundamento da chegada de Cristo
Preparação para a chegada de Cristo
Anelo pela chegada de Cristo
Certeza da chegada de Cristo
NOVO TESTAMENTO
Evangelhos
Atos
Epístolas
Apocalipse
Manifestação de Cristo
Propagação de Cristo
Interpretação e aplicação de Cristo
Consumação em Cristo


Capítulos e versículos da Bíblia

As Bíblias mais antigas não eram divididas em capítulos e versículos. Essas divisões foram feitas para facilitar a tarefa de citar as Escrituras.

Stephen Langton, professor da Universidade de Paris e mais tarde arcebispo da Cantuária, dividiu a Bíblia em capítulos em 1227. Robert Stephanus, impressor parisiense, acrescentou a divisão em versículos em 1551 e em 1955. Felizmente, estudiosos judeus, desde aquela época, adotaram essa divisão de capítulos e versículos para o Antigo Testamento.

 

 

 

 

 

 

 



Capítulo 2 - A inspiração da Bíblia

A característica mais importante da Bíblia não é sua estrutura e sua forma, mas o fato de ter sido inspirada por Deus. Não se deve interpretar de modo errôneo a declaração da própria Bíblia a favor dessa inspiração.
Quando falamos de inspiração, não se trata de inspiração poética, mas de autoridade divina. A Bíblia é singular; ela foi literalmente "soprada por Deus". A seguir examinaremos o que significa isso.

Uma definição de inspiração

Embora a palavra inspiração seja usada apenas uma vez no Novo Testamento (2Tm 3.16) e outra no Antigo (Jó 32.8), o processo pelo qual Deus transmite sua mensagem autorizada ao homem é apresentado de muitas maneiras. Um exame das duas grandes passagens a respeito da inspiração encontradas no Novo Testamento, poderá ajudar-nos a entender o que significa a inspiração bíblica.

Descrição bíblica de Inspiração

Assim escreveu Paulo a Timóteo: "Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça" (2Tm 3.16). Em outras palavras, o texto sagrado do Antigo Testamento foi "soprado por Deus" (gr., theopneustos) e, por isso, dotado da autoridade divina para o pensamento e para a vida do crente.

A passagem correlata de 1Coríntios 2.13 realça a mesma verdade. Disto também falamos", escreveu Paulo, "não com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais." Quaisquer palavras ensinadas pelo Espírito Santo são palavras divinamente inspiradas.

Outra grande passagem do Novo Testamento a respeito da inspiração da Bíblia está em 2 Pedro 1.21. "Pois a profecia nunca foi produzida por vontade dos homens, mas os homens santos da parte de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo." Em outras palavras, os profetas eram homens cujas mensagens não se originaram de seus próprios impulsos, mas foram "sopradas pelo Espírito". Pela revelação, Deus falou aos profetas de muitas maneiras (Hb 1.1): mediante anjos, visões, sonhos, vozes e milagres. Inspiração é a forma pela qual Deus falou aos homens mediante os profetas. Mais um sinal de que as palavras dos profetas não partiam deles próprios, mas de Deus é o fato de eles sondarem seus próprios escritos a fim de verificar "qual o tempo ou qual a ocasião que o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e sobre as glorias que os seguiriam" (l Pe 1.11).

Fazendo uma combinação das passagens que ensinam sobre a inspiração divina, descobrimos que a Bíblia é inspirada no seguinte sentido: homens movidos pelo Espírito, escreveram palavras sopradas por Deus, as quais são a fonte de autoridade para a fé e para a prática cristã.


Definição teológica da inspiração

Na única vez em que o Novo Testamento usa a palavra inspiração, ela se aplica aos escritos, não aos escritores. A Bíblia é que é inspirada, e não seus autores humanos. O adequado, então, é dizer que: o produto e inspirado os produtores não. Os autores indubitavelmente escreveram e falaram sobre muitas coisas, como, por exemplo, quando se referiram a assuntos mundanos, pertinentes a esta vida, os quais não foram divinamente inspirados. Todavia, visto que o Espírito Santo, conforme ensina Pedro tomou posse dos homens que produziram os escritos inspirados, podemos, por extensão, referir-nos à inspiração em sentido mais amplo. Tal sentido mais amplo inclui o processo total por que alguns homens, movidos pelo Espírito Santo, enunciaram e escreveram palavras emanadas boca do Senhor; e, por isso mesmo, palavras dotadas da  autoridade divina.

Inspiração dos originais, não das cópias

A inspiração e a consequente autoridade da Bíblia não se estendem automaticamente a todas as cópias e traduções da Bíblia. Só os manuscritos originais, conhecidos por autógrafos, foram inspirados por Deus. Os erros e as mudanças efetuados nas cópias e nas traduções não podem ser atribuídos à inspiração original. Por exemplo, 2Reis 8.26 diz que Azarias tinha 22 anos de idade quando foi coroado rei, enquanto 2Crônicas 22.2 diz que tinha 42 anos. Não é possível que ambas as informações estejam corretas. O original é autorizado; a cópia errônea não tem autoridade.

Outros exemplos desse tipo de erro podem encontrar-se nas atuais cópias das Escrituras (e.g., cf. I Rs 4.26 e 2Cr 9.25). Portanto, uma tradução ou cópia só é autorizada à medida que reproduz com exatidão os autógrafos.

Inspiração do ensino, mas não de todo o conteúdo da Bíblia

Cumpre ressaltar também que só o que a Bíblia ensina foi inspirado por Deus e não apresenta erro; nem tudo que está na Bíblia ficou isento de erro. Por exemplo, as Escrituras contêm o relato de muitos atos maus, mas não as recomenda. Ao contrário, condena essas práticas malignas. A Bíblia chega a narrar algumas das mentiras de Satanás (e.g., Gn 3.4). Portanto, a simples existência dessa narração não significa que a Bíblia ensine serem verdadeiras essas mentiras. A única coisa que a inspiração divina garante aqui é que se trata de um registro verdadeiro de uma mentira satânica, de
uma perversidade real de Satanás
.
Às vezes não está perfeitamente claro se a Bíblia registra apenas um mero relato do que alguém disse ou fez, ou se ela está ensinando que devemos proceder de igual forma. Por exemplo, estará a Bíblia ensinando que tudo quanto os amigos de Jó disseram é verdade? Seriam todos os ensinos daquele homem "debaixo do sol", em Eclesiastes, ensino de Deus ou mero registro fiel de pensamentos vãos? Seja qual for a resposta, o
estudante da Bíblia é admoestado a não julgar verdadeiro tudo quanto a Bíblia afirma só por ter aparência de verdade. O estudante da Bíblia precisa procurar seu verdadeiro ensino, sem atribuir verdade a tudo quanto está escrito em suas páginas. De fato, a Bíblia registra muitas coisas que ela de modo algum recomenda, como a asserção: "Não há Deus" (Sl 14.1).

Em todas as passagens, o que a Bíblia está declarando deve ser estudado com cuidado, a fim de se apurar o que ela está ensinando na verdade. Só o que a Bíblia ensina é que é inspirado, e não todas as palavras relacionadas a todo o seu conteúdo.

Evidências da inspiração da Bíblia

Os cristãos têm sido desafiados, ao longo dos séculos, a apresentar as nos alicerces da fé em Cristo, repousou sobre QH ombros dos apologistas cristãos a tarefa de apresentar evidências da Inspiração divina da Bíblia.
Reivindicar que a Bíblia é inspirada por Deus é uma coisa, mas comprovar essa reivindicação é coisa bem diferente.

A reivindicação da Bíblia quanto à sua inspiração

A inspiração não é algo que meramente os cristãos atribuam à Bíblia; é reivindicação que a própria Bíblia faz a respeito de si mesma. Há praticamente centenas de referências no texto da Bíblia que afirmam sua origem divina (v. caps. 3 e 4).

Apoio à reivindicação bíblica de inspiração

Os defensores da fé cristã têm reagido a esse desafio de maneiras variadas. Alguns transformaram o cristianismo num sistema racional,
mas a grande massa de cristãos bem informados, ao longo dos séculos, tem evitado tanto o racionalismo como o fideísmo. Sem sustentar a irrevocabilidade absoluta, nem o ceticismo completo, os apologistas cristãos têm dado "uma razão da esperança que há
neles". A seguir apresentamos uma síntese das evidências da doutrina bíblica da inspiração.

Evidência Interna da inspiração da Bíblia

Há duas espécies de evidências que se devem levar em conta no que diz respeito à inspiração da Bíblia: a evidência que brota da própria Bíblia como evidência externa). Há várias espécies de evidência interna já apresentadas.

A evidência da autoridade que se autoconfirma.

Há quem afirme que a Bíblia fala com autoridade própria, cheia de convicção, à semelhança do rugido de um leão. O Senhor Jesus enchia as multidões de grande admiração, porque "os ensinava como tendo autoridade" (Mc 1.22), e, de modo semelhante, a expressão "assim diz o Senhor", encontrada nas Escrituras, fala por si mesma. Quando uma voz falou a Jó, saída de um redemoinho, ficou bem evidente para o patriarca ser a voz do Senhor (Jó 38).

As palavras das Escrituras não precisam ser defendidas; precisam apenas ser ouvidas, para que se saiba que são a Palavra de Deus. O modo mais convincente de demonstrar a autoridade de um leão é soltá-lo. De modo semelhante, a inspiração da Bíblia não precisa ser defendida; antes, os ensinos da Bíblia precisam apenas ser explanados. Afirma-se que Deus pode falar mais eficazmente quando fala por si mesmo. A Bíblia pode defender sua própria autoridade, desde que sua voz se faça ouvir.

A evidência do testemunho do Espírito Santo.

Intimamente relacionado com a evidência da autoridade das Escrituras, que se demonstra por si mesma, temos o testemunho do Espírito Santo. A Palavra de Deus confirma-se perante os filhos de Deus pelo Espírito de Deus. O testemunho íntimo de Deus no coração do crente, à medida que este vai lendo a Bíblia, é evidência da origem divina da Bíblia. O Espírito Santo não só dá testemunho ao crente de que este é filho de Deus (Rm 8.16), mas também afirma que a Bíblia é a Palavra de Deus (2Pe 1.20,21). O mesmoEspírito que comunica a verdade de Deus também confirma perante o crente que a Bíblia é a Palavra de Deus.

A evidência da capacidade transformadora da Bíblia.

Outra evidência denominada "interna" é a capacidade que tem a Bíblia de converter o incrédulo e de edificá-lo na fé cristã. Assim diz Hebreus: "A palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes..." (4.12). Milhares e milhares têm experimentado esse poder; viciados em drogas têm sido curados pela Palavra;  delinqüentes têm sido transformados; o ódio tem cedido lugar ao amor; tudo isso pela leitura da Palavra de Deus (1Pe 2.2).

A evidência de que Deus atribuiu sua autoridade à Bíblia está em seu poder evangelístico e edificador.

A evidência da unidade da Bíblia.

Uma evidência mais formal da inspiração da Bíblia está em sua unidade. Sendo constituída de 66 livros escritos ao longo de 1 500 anos, por cerca de quarenta autores, em diversas línguas, com centenas de tópicos, é muito mais que mero acidente que a Bíblia apresente espantosa unidade temática — Jesus Cristo. Um problema — o pecado— e uma solução — o Salvador Jesus— unificam as páginas da Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse. Se a compararmos a um manual médico redigido sob tão grande variedade, a Bíblia apresenta marcas notáveis de unidade divina.

O papel desses autores da Bíblia seria comparável ao de diferentes escritores que estivessem escrevendo capítulos de uma novela, sem que tivessem nem mesmo um esboço geral da história. Toda a unidade que a Bíblia demonstre certamente adveio de algo que se achava fora do alcance de seus autores humanos.

Evidência externa da inspiração da Bíblia

A evidência interna da inspiração relaciona-se àquilo que o crente vê ou sente em sua experiência pessoal com a Bíblia. Com a possível exceção da última evidencia mencionada, a saber, a unidade da Bíblia, a evidência interna está disponível apenas para os que se acham dentro do cristianismo. O incrédulo não ouve a voz de Deus, tampouco sente o testemunho do Espírito de Deus e jamais sente o poder edificador das Escrituras em sua vida. Se o incrédulo não penetrar pela fé no interior do cristianismo, essa evidência pouco ou nenhum valor e persuasão terá em sua vida. É aqui, então, que a evidência externa exerce papel crucial. Funciona como balizas ou sinais que conduzem ao "interior" da verdadeira vida cristã. Trata-se de testemunho público de algo inusitado, que serve para atrair a atenção do ser humano para a voz de Deus nas Escrituras.

A evidência baseada na historicidade da Bíblia.

Grande parte do conteúdo bíblico é história e, por isso mesmo, passível de constatação.
Existem duas espécies principais de apoio da história bíblica: os artefatos arqueológicos e os documentos escritos. No que diz respeito aos artefatos desenterrados, nenhuma descoberta arqueológica invalidou um ensino ou relato bíblico. Ao contrário, como escreveu Donald J. Wiseman: "A geografia das terras mencionadas na Bíblia e os remanescentes visíveis da antigüidade foram gradativamente registrados, até que hoje, em sentido mais amplo, foram localizados mais de 25 000 locais, nesta região, que datam dos tempos do Antigo Testamento".10 Aliás, grande parte da antiga crítica à Bíblia foi firmemente refutada pelas descobertas arqueológicas que demonstraram a existência da escrita nos dias de Moisés, a história e a cronologia dos reis de Israel e até mesmo a existência dos hititas, povo até há pouco só mencionado na Bíblia.

A evidência do testemunho de Cristo.

O testemunho de Cristo é evidência relacionada à da historicidade dos documentos bíblicos. Visto que o Novo Testamento é documentado como livro histórico e esses mesmos documentos históricos nos fornecem o ensino de Cristo a respeito da inspiração da Bíblia, resta-nos apenas presumir a veracidade de Cristo, para convencer-nos firmemente da inspiração da Bíblia. Se Jesus Cristo possui alguma autoridade ou integridade como mestre religioso, podemos concluir que a Bíblia é inspirada por Deus. O Senhor Jesus ensinou que a Bíblia é a Palavra de Deus.

Se alguém quiser provar ser essa assertiva falsa, deverá primeiro rejeitar a autoridade que tinha Jesus de se pronunciar sobre a questão da inspiração.

A evidência da profecia.

Outro testemunho externo dotado de grande força em apoio da inspiração das Escrituras é o fato da profecia cumprida. De acordo com Deuteronômio 18, o profeta era tido como falso quando fazia predições que não se cumprissem. Até o presente momento, nenhuma profecia incondicional da Bíblia a respeito de acontecimentos ficou sem cumprimento. Centenas de predições, algumas delas feitas centenas de anos antes de se cumprirem, concretizaram-se literalmente. A época do nascimento de Jesus (Dn 9), a cidade em que ele haveria de nascer (Mq 5.2) e a natureza de sua concepção e nascimento (Is 7.14) foram preditos no Antigo Testamento, bem como dezenas de outras minúcias de sua vida, morte e ressurreição. Outras profecias, como a da explosão da instrução e da comunicação (Dn 12.4), a da repatriação de Israel e a da repovoação da Palestina (Is 61.4), estão sendo cumpridas em nossos dias.

A evidência da influência da Bíblia.

Nenhum outro livro tem sido tão largamente disseminado, nem exercido tão forte influência sobre o curso dos acontecimentos mundiais do que a Bíblia. As Escrituras Sagradas têm sido traduzidas em mais línguas, têm sido impressas em maior número de exemplares, têm influenciado mais o pensamento, inspirado mais as artes e motivado mais as descobertas do que qualquer outro livro.

Suas tiragens somam alguns bilhões de exemplares. Os bestsellers que têm vindo em segundo lugar, ao longo dos séculos, nunca chegam perto do detentor perpétuo do primeiro lugar, a Bíblia. A influência da Bíblia e de seu ensino sobre o mundo ocidental está bem à mostra para todos quantos estudam a história.

A evidência da manifesta indestrutibilidade da Bíblia.

A despeito (ou talvez por conta) de sua tremenda importância, a Bíblia tem sofrido muito mais ataques perversos do que seria de esperar, em se tratando de um livro.

No entanto, a Bíblia tem resistido a todos os ataques e a todos os seus atacantes. Diocleciano tentou exterminá-la (c. 303 d.C); no entanto, a Bíblia é hoje o livro mais impresso e mais divulgado do mundo.

Críticos da Bíblia no passado tachavam-na de composta, na maior parte, por historietas mitológicas, mas a arqueologia lhe comprovou a historicidade. Seus antagonistas atacam seus ensinos, tachando-os de primitivos e obsoletos, mas os moralistas exigem que seus ensinos a respeito do amor sejam postos em prática na sociedade moderna. Os céticos têm lançado dúvidas sobre a confiabilidade da Bíblia; todavia, mais pessoas hoje se convencem de suas verdades do que em toda a história. Prosseguem os ataques da parte de alguns cientistas, de alguns psicólogos e de alguns líderes políticos, mas
a Bíblia permanece ilesa, indestrutível.

"Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão" (Mc 13.31).

A evidência oriunda da integridade de seus autores humanos.

Outros argumentos têm sido formulados para comprovar a inspiração da Bíblia, mas os principais, os que sustentam o maior peso da defesa, são esses. Será que esses argumentos provam que a Bíblia é inspirada? Não.

Não representam provas dotadas de conclusões racionais inescapáveis. Até mesmo um filósofo amador pode criar contra-argumentos que neutralizam a lógica da argumentação. E, ainda que tal argumentação comprovasse a inspiração da Bíblia, não se concluiria daí que os argumentos conseguiriam persuadir e satisfazer a todos. Em vez disso, temos evidências, testemunhos, testemunhas. Como testemunhos, precisam ser examinados para uma avaliação global. A seguir, o júri que existe na alma de cada
pessoa deverá tomar sua decisão — decisão fundada não em provas racionais, inescapáveis, mas em evidências que ficam "acima de quaisquer dúvidas racionais".

Você  também precisa tomar sua decisão. Para os que têm a tendência à indecisão, resta o lembrete incisivo das palavras de Pedro: "Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna" (Jo 6,68). Em outras palavras, se a Bíblia — com sua reivindicação categórica de ser inspirada, com suas características incomparáveis e suas credenciais múltiplas— não for inspirada, então, a quem ou a que nos dirigiremos? É nela que encontramos as palavras de vida eterna.



6. As características da canonicidade

Como foi que a Bíblia veio a ser composta de 66 livros?  Esse assunto intitula-se canonicidade.
Canonicidade é o estudo que trata do reconhecimento e da compilação dos livros que nos foram dados por inspiração de Deus.

Definição de canonicidade

A palavra cânon deriva do grego kanõn ("cana, régua"), que, por sua vez, se origina do hebraico kaneh, palavra do Antigo Testamento que significa "vara ou cana de medir" (Ez 40.3). Mesmo em época anterior ao cristianismo, essa palavra era usada de modo mais amplo, com o sentido de padrão ou norma, além de cana ou unidade de medida. O Novo Testamento emprega o termo em sentido figurado, referindo-se a padrão ou regra de conduta (Gl 6.16).

Emprego da palavra "cânon" pelo cristão da igreja primitiva

Nos primórdios do cristianismo, a palavra cânon significava "regra" de fé, ou escritos normativos (i.ev as Escrituras autorizadas). Por volta da época de Atanásio (c. 350), o conceito de cânon bíblico ou de Escrituras normativas já estava em desenvolvimento.

Alguns sinônimos de canonicidade

A existência de um cânon ou coleção de escritos autorizados antecede o uso do termo cânon. A comunidade judaica coligiu e preservou as Escrituras Sagradas desde o tempo de Moisés.

Escrituras Sagradas.

Um dos conceitos mais antigos de cânon foi o de escritos sagrados. O fato de os escritos de Moisés serem considerados sagrados se demonstra pelo lugar santo em que eram guardados, ao lado da arca da aliança (Dt 31.24-26). Depois de o templo ter sido edificado, esses escritos sagrados foram preservados em seu interior (2Rs 22.8). A
consideração especial dada a esses livros especiais mostra que eram tidos como canônicos, ou sagrados.

Escritos autorizados.

A canonicidade das Escrituras também é designada autoridade divina. A autoridade dos escritos mosaicos foi salientada perante Josué e perante Israel (Js 1.8). Todos os reis de Israel foram exortados a esse respeito: "Quando se assentar no trono do seu reino, escreverá para si num livro uma cópia desta lei [...]. Conservará a cópia consigo, e a lera todos os dias de sua vida, para que aprenda a temer ao Senhor seu Deus, e a guardar todas as palavras desta lei..." (Dt 17.18,19).
Visto que esses livros vieram da parte de Deus, vieram revestidos de sua autoridade. Sendo escritos dotados de autoridade, eram canônicos, i.e., normativos, para o crente israelita.

Livros que conspurcam as mãos.

Na tradição de ensino de Israel, surgiu o conceito de livros tão sagrados, ou santos, que aqueles que os usassem ficariam com as mãos "conspurcadas". Assim diz o Talmude; "O evangelho e os livros dos hereges não maculam as mãos; os livros de Bem Sira quaisquer outros livros que tenham sido escritos desde sua época não são canônicos" (Tosefta Yadaim, 3,5). Ao contrário, os livros do Antigo Testamento hebraico na verdade tornam imundas as mãos, porque são santos. Por isso, só os livros que exigissem que seu leitor passasse por uma cerimônia especial de purificação é que eram considerados canônicos.

Livros proféticos.

Como já dissemos antes (cap. 3), determinado livro só era considerado inspirado se escrito por um profeta, ou porta-voz de Deus. As obras e as palavras dos falsos profetas eram rejeitadas e jamais agrupadas e guardadas num lugar santo. De fato, segundo Josefo , só os livros que haviam sido redigidos durante o período profético, de Moisés até o rei Artaxerxes, podiam ser canônicos.
Assim se expressou Josefo: "Desde Artaxerxes até a nossa época tudo tem sido registrado, mas nada foi considerado digno do mesmo crédito das obras do passado, visto que a sucessão exata de profetas cessou". Foram, canônicos apenas os livros de Moisés a Malaquias, pois só esses foram, escritos por homens em sucessão profética. Do período de Artaxerxes (século IV a.C.) até Josefo (século I d.C), não houve sucessão profética; por isso, não faz parte do período profético. O Talmude faz a mesma afirmação, dizendo:
"Até esta altura [século IV a.C] os profetas profetizavam mediante o Espírito Santo; a partir desta época inclinai os vossos ouvidos e ouvi as palavras dos sábios" (Seder Olam Rabba, 30). Portanto, para ser canônico, qualquer livro do Antigo Testamento deveria vir de uma sucessão profética, durante o período profético.

A determinação da canonicidade

Essas considerações em torno da canonicidade ajudam-nos a
esclarecer o que significa Escrituras canônicas. A confusão existente entre
os sentidos ativo e passivo da palavra cânon trouxe ambigüidade à questão
do que determina a canonicidade de um livro.

Alguns conceitos deficientes sobre o que determina a canonicidade

Foram apresentadas várias opiniões a respeito do que determina a canonicidade de um escrito. Essas posições confunde os cânones, ou regras mediante as quais o crente descobre que determinado livro é inspirado (sentido passivo da palavra cânon), com os cânones dos escritos normativos que foram descobertos (sentido ativo da palavra cânon),
Vamos examiná-las de modo sucinto.

A concepção de que a idade determina a canonicidade.

 A teoria segundo a qual a canonicidade de um livro é determinada pela sua antigüidade, que tal livro veio a ser venerado por causa de sua idade, erra o alvo por duas razões. Primeira: muitos livros velhíssimos, como o livro dos justos e o livro das guerras do Senhor (Js 10.13 e Nm 21.14) nunca foram aceitos no cânon. Em segundo lugar, há evidências de que os livros canônicos foram introduzidos no cânon imediatamente, e não depois de haverem envelhecido. E o caso dos livros de Moisés (Dt 31.24-26), de
Jeremias (Dn 9.2) e dos escritos do Novo Testamento produzidos por Paulo
(2Pe 3.16).

A concepção de que a língua hebraica determina a canonicidade.

É insatisfatória também a teoria segundo a qual os livros que fossem escritos em hebraico, a língua "sagrada" dos hebreus, seriam considerados sagrados, e os que houvessem sido escritos em outra língua não seriam introduzidos no cânon. A verdade é que nem todos os livros redigidos em hebraico foram aceitos, como é o caso dos livros apócrifos e de outros documentos antigos não-bíblicos (v. Js 10.13). Além disso, há seções de alguns livros aceitos no cânon sagrado que não foram escritas em hebraico
(Daniel 2.4b— 7.28 e Esdras 4.8— 6.18; 7.12-26 foram escritos em aramaico).

A concepção de que a concordância do texto com a Tora determina a sua canonicidade.

É uma visão errônea, concernente à Tora (lei deMoisés). Nem é necessário mencionar que quaisquer livros que contradigam a Tora deviam ser rejeitados, tendo em vista a crença de que Deus não poderia contradizer-se em suas revelações posteriores. Essa
teoria, porém, despreza duas questões de grande importância. Em primeiro lugar, não era a Tora que determinava a canonicidade dos escritos que lhe sucederam. Antes, o fator determinante da canonicidade da Tora era o mesmo que determinaria a de todas as demais Escrituras Sagradas, a saber, que os escritos fossem inspirados por Deus. Em outras palavras, a concepção de que a concordância com a Tora determina a canonicidade de um documento é insatisfatória porque não explica o que foi que determinou a canonicidade da Tora. Em segundo lugar, tal teoria é demasiado generalizante. Muitos outros textos que estavam de acordo com a Tora não foram aceitos como inspirados. Os pais judeus criam que seu Talmude e Midrash concordavam com a Tora, mas jamais os consideraram canônicos. ‘O mesmo vale dizer de muitos escritos cristãos em relação ao Novo Testamento.

A concepção de que o valor religioso determina a canonicidade.

Essa é outra hipótese: que o valor religioso de um livro determina su inclusão no cânon sagrado. Outra vez temos aqui o carro adiante dos bois.
É axiomático afirmar que, se um livro não tiver algum tipo de valor espiritual, deve ser rejeitado e eliminado do cânon. Também é verdade que nem todos os livros que possuem algum valor espiritual sejam automaticamente canônicos, como o comprovam alguns tesouros da literatura judeu-cristã, dos quais são alguns apócrifos. O fato mais importante, no entanto, é que essa teoria faz confusão entre causa e efeito. Não é o valor religioso que determina a canonicidade de um texto; é sua canonicidade que determina seu valor religioso. De forma mais precisa, não é o valor de um livro que determina sua autoridade divina, mas a autoridade divina é que determina seu valor.

A canonicidade é determinada pela inspiração

Os livros da Bíblia não são considerados oriundos de Deus por se haver descoberto neles algum valor; são valiosos porque provieram de Deus — fonte de todo bem. O processo mediante o qual Deus nos concede sua revelação chama-se inspiração. É a inspiração de Deus num livro que determina sua canonicidade. Deus dá autoridade divina a um livro, o os homens de Deus o acatam. Deus revela, e seu povo reconhece o que o Senhor revelou. A canonicidade é determinada por Deus e descoberta pelos homens de Deus. A Bíblia constitui o "cânon", ou "medida" pela qual tudo
mais deve ser medido e avaliado pelo fato de ter autoridade concedida por Deus. Sejam quais forem as medidas (i.e., os cânones) usadas pela igreja para descobrir com exatidão que livros possuem essa autoridade canônica ou normativa, não se deve dizer que "determinam" a canonicidade dos livros. Dizer que o povo de Deus, mediante quaisquer regras de reconhecimento, "determina" que livros são autorizados por inspiração de
Deus só confunde a questão. Só Deus pode conceder a um livro autoridade absoluta e, por isso mesmo, canonicidade divina.
 O sentido primário da palavra cânon aplicado às Escrituras é aplicado na acepção ativa, i.e., a Bíblia é a norma que governa a fé. O sentido secundário, segundo o qual um livro é julgado por certos cânones e é reconhecido como inspirado (o sentido passivo), não deve ser confundido com a determinação divina da canonicidade. Só a inspiração divina
determina a autoridade de um livro, i.e., se ele é canônico, de natureza normativa.

A descoberta da canocnicidade

O povo de Deus Deus tem desempenhado um papel de cabal importância no processo de canonização, ao longo dos séculos, ainda que tal papel não tenha natureza determinadora. A comunidade de crentes arca com a tarefa de chegar a uma conclusão sobre quais livros são realmente de Deus. A fim de cumprir esse papel, a igreja deve procurar certos característicos próprios
da autoridade divina. Como poderia alguém reconhecer um livro inspirado
só por vê-lo? Quais são os elementos característicos que distinguem uma
declaração de Deus de um enunciado meramente humano? Vários critérios
estavam em jogo nesse processo de reconhecimento.
Os princípios de descoberta da canonicidade
Nunca deixaram de existir falsos livros e falsas mensagens (v. caps. 8
e 10). Por representarem ameaça constante, fez-se necessário que o povo
de Deus revisse cuidadosamente sua coleção de livros sagrados. Até
mesmo os livros aceitos por outros crentes ou em tempos anteriores foram
posteriormente questionados pela igreja. São discerníveis cinco critérios
básicos, presentes no processo como um todo: 1) O livro é autorizado
afirma vir da parte de Deus? 2) É profético — foi escrito por um servo de
Deus? 3) É digno de confiança — fala a verdade acerca de Deus, do
homem etc? 4) É dinâmico — possui o poder de Deus que transforma
vidas? 5) É aceito pelo povo de Deus para o qual foi originariamente
escrito — é reconhecido como proveniente de Deus?
A autoridade de um livro. Como demonstramos antes (caps. 3 e 4),
cada livro da Bíblia traz uma reivindicação de autoridade divina. Com
freqüência a expressão categórica "assim diz o Senhor" está presente. Às
vezes o tom e as exortações revelam sua origem divina. Sempre existe uma
declaração divina. Nos escritos mais didáticos (os de ensino), existe uma
declaração divina a respeito do que os crentes devem fazer. Nos livros
históricos, as exortações ficam mais implícitas, e as declarações
autorizadas são mais a respeito do que Deus tem feito na história de seu
povo (que é "a história narrada por Deus"). Se faltasse a um livro a
autoridade de Deus, esse era considerado não-canônico, não sendo incluído,
no cânon sagrado.
Vamos ilustrar esse princípio de autoridade no que se relaciona ao
cânon. Os livros dos profetas eram facilmente reconhecidos como
canônicos por esse princípio de autoridade. A expressão repetida "e o
Senhor me disse" ou "a palavra do Senhor veio a mim" é evidência
abundante de sua autoridade divina. Alguns livros não tinham nenhuma
reivindicação de origem divina, pelo que foram rejeitados e tidos como
não-canônicos. Talvez tenha sido o caso do livro dos justos e do livro das
guerras do Senhor, Outros livros foram questionados e desafiados quanto à
sua autoridade divina, mas por fim foram aceitos no cânon. É o caso de
Ester. Não antes de se tornar perfeitamente patente que a proteção de Deus
e, portanto, as declarações do Senhor a respeito de seu povo estavam
inqüestionavelmente presentes em Ester, recebeu este livro lugar
permanente no cânon judaico. Na verdade, o simples fato de alguns livros
canônicos serem questionados quanto à sua legitimidade é uma segurança
de que os crentes usavam seu discernimento. Se os crentes não estivessem
convencidos da autoridade divina de um livro, este era rejeitado.
A autoria profética de um livro. Os livros proféticos só foram
produzidos pela atuação do Espírito, que moveu alguns homens conhecidos
como profetas (2Pe 1.20,21). A Palavra de Deus só foi entregue a seu povo
mediante os profetas de Deus. Todos os autores bíblicos tinham um dom
profético, ou uma função profética, ainda que tal pessoa não fosse profeta
por ocupação (Hb 1.1).
Paulo exorta o povo de Deus em Gálatas, dizendo que suas cartas
deveriam ser aceitas porque ele era apóstolo de Cristo. Suas cartas não
foram produzidas por um homem comum, mas por um apóstolo; não "por
homem algum, mas por Jesus Cristo, e por Deus Pai, que o ressuscitou
dentre os mortos" (Gl 1.1). Suas cartas deviam ser acatadas porque eram
apostólicas — saíram de um porta-voz de Deus, ou profeta de Deus. Todos
os livros deveriam ser rejeitados caso não proviessem de profetas
nomeados por Deus; essa era a advertência de Paulo. Os crentes não
deviam aceitar livros de alguém que falsamente afirmasse ser apóstolo de
Cristo (2Ts 2.2), conforme advertência de Paulo também em 2Coríntios ti
.13 a respeito dos falsos profetas. As advertências de João sobre os falsos
messias e para que os crentes provassem os espíritos enquadram-se nessa
mesma categoria (1Jo 2.18,19 e 4.1-3). Foi por causa desse princípio
profético que a segunda carta de Pedro foi objetada por alguns da igreja
primitiva. Enquanto os pais da igreja não ficaram convencidos de que essa
carta não havia sido forjada, mas de fato viera da mão do apóstolo Pedro,
como seu primeiro versículo o menciona, ela não recebeu lugar permanente
no cânon cristão.
A confiabilidade de um livro. Outro sinal característico da inspiração
é o ser um livro digno de confiança. Todo e qualquer livro que contenha
erros factuais ou doutrinários (segundo o julgamento de revelações
anteriores) não pode ter sido inspirado por Deus. Deus não pode mentir; as
palavras do Senhor só podem ser verdadeiras e coerentes.
À vista desse princípio, os crentes de Beréia aceitaram os ensinos de
Paulo e pesquisaram as Escrituras, para verificar se o que o apóstolo estava
ensinando estava de fato de acordo com a revelação de Deus no Antigo
Testamento (At 17.11). O mero fato de um texto estar de acordo com uma
revelação anterior não indica que tal texto é inspirado. Mas a contradição
de uma revelação anterior sem dúvida seria indício de que o ensino não era
inspirado.
Grande parte dos apócrifos foi rejeitada por causa do princípio da
confiabilidade. Suas anomalias históricas e heresias teológicas os
rejeitaram; seria impossível aceitá-los como vindos de Deus, a despeito de
sua aparência de autorizados. Não podiam vir de Deus e ao mesmo tempo
apresentar erros.
Alguns livros canônicos foram questionados com base nesse mesmo
princípio. Poderia a carta de Tiago ser inspirada, se contradissesse o ensino
de Paulo a respeito da justificação pela fé e nunca pelas obras? Até que a
compatibilidade essencial entre os autores se comprovasse, a carta de Tiago
foi questionada por alguns estudiosos. Outros questionaram Judas por
causa de sua citação de livros não-confiáveis, pseudepigráficos (vv 9,14).
Desde que ficasse entendido que as citações feitas por Judas 1 não podiam
conferir nenhuma autoridade àqueles livros, assim como as citações feitas
por Paulo, de poetas não-cristãos (v. tb. At 17.28 e Tt 1.12), não poderia
conferir a esses nenhuma autoridade, nenhuma razão haveria para que a
carta de Judas fosse rejeitada.
A natureza dinâmica de um livro. O quarto teste de canonicidade, às
vezes menos explícito do que alguns dos demais, era a capacidade do texto
de transformar vidas: "... a palavra de Deus é viva e eficaz..." (Hb 4.12). O
resultado é que ela pode ser usada "para ensinar, para repreender, para
corrigir, para instruir em justiça" (2Tm 3.16,17).
O apóstolo Paulo revelou-nos que a habilidade dinâmica das
Escrituras inspiradas estava implicada na aceitação das Escrituras como
um todo, como mostra 2Timóteo 3.16,17. Disse Paulo a Timóteo: "... as
sagradas letras [...] podem fazer-te sábio para a salvação..." (v. 15). Em
outro texto, Pedro se refere ao poder de evangelização e de edificação
cristã da Palavra (1Pe 1.23; 2.2). Outros livros e mensagens foram
rejeitados porque apresentavam falsas esperanças (1Rs 22.6-8) ou faziam
rugir alarmes falsos (2Ts 2.2). Assim, não conduziam o crente ao
crescimento na verdade de Jesus Cristo. Assim dissera o Senhor:
"Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" (Jo 8.32). O ensino falso
jamais liberta; só a verdade possui poder emancipador.
Alguns livros da Bíblia, como Cântico dos Cânticos e Eclesiastes,
foram questionados por alguns estudiosos os julgarem isentos desse poder
dinâmico, capaz de edificar o crente. Desde que se convenceram de que
Cântico dos Cânticos não era sensual, mas profundamente espiritual, e que
Eclesiastes não é um livro cético e pessimista, mas positivo e edificante
(e.g., 12.9,10), pouca dúvida restou acerca de sua canonicidade.
A aceitação de um livro. A marca final de um documento escrito
autorizado é seu reconhecimento pelo povo de Deus ao qual
originariamente havia destinado. A Palavra de Deus, dada mediante seus
profetas e intendo sua verdade, deve ser reconhecida pelo seu povo.
Gerações posteriores de crentes procuraram constatar esse fato. É que, se
determinado livro fosse recebido, coligido e usado como obra de Deus,
pelas pessoas a quem originariamente se havia destinado, ficava
comprovada a sua canonicidade. Sendo o sistema de comunicações e de
transportes atrasado como era nos tempos antigos, às vezes a determinação
da canonicidade de um livro da parte dos pais da igreja exigia muito
tempo, e esforço. É por essa razão que o reconhecimento definitivo,
completo, por toda a igreja cristã, dos 66 livros do cânon das Escrituras
Sagradas exigiu tantos anos (v. cap. 9).
Os livros de Moisés foram aceitos imediatamente pelo povo de Deus.
Foram coligidos, citados, preservados e até mesmo impostos sobre as
novas gerações (v. cap. 3). As cartas de Paulo foram recebidas
imediatamente pelas igrejas às quais haviam sido dirigidas (1Ts 2.13), e até
pelos demais apóstolos (2Pe 3.16). Alguns escritos foram imediatamente
rejeitados pelo povo de Deus, por não apresentarem autoridade divina (2Ts
2.2). Os falsos profetas (Mt 7.21-23) e os espíritos de mentira deveriam ler
testados e rejeitados (1Jo 4.1-3), como se vê em muitos exemplos dentro da
própria Bíblia (cf. Jr 5.2; 14.14). Esse princípio de aceitação levou alguns a
questionar durante algum tempo certos livros da Bíblia, como 2 e 3João.
São de natureza particular e de circulação restrita; é compreensível pois,
que houvesse alguma relutância em aceitá-los, até que essas pessoas em
dúvida tivessem absoluta certeza de que tais livros haviam lido recebidos
pelo povo de Deus do século I como cartas do apóstolo Joio.
É quase desnecessário dizer que nem todas as pessoas deram pronto
reconhecimento às mensagens dos profetas de Deus. Deus assumia a defesa
rigorosa de seus profetas, contra todos quantos os rejeitassem (e.g., 1Rs
22.1-38). E, quando o Senhor era desafiado, mostrava quem era seu povo.
Quando a autoridade de Moisés foi desafiada por Core e seus asseclas, a
terra se abriu e os engoliu vivos (Nm 16). O papel do povo de Deus era
decisivo no reconhecimento da Palavra de Deus. O próprio Deus havia
determinado a autoridade que envolvia os livros do cânon que ele inspirara,
mas o povo de Deus também havia sido chamado para essa tarefa:
descobrir quais eram os livros dotados de autoridade, e quais eram falsos.
Para auxiliar o povo de Deus nessa descoberta, havia cinco testes de
canonicidade.
O procedimento para a descoberta da canonicidade
Quando nos pomos a discorrer sobre o processo de canonização, não
devemos imaginar uma comissão de pais da igreja, carregando pilhas de
livros, tendo diante dos olhos a lista desses cinco princípios orientadores.
Tampouco houve uma comissão ecumênica nomeada com o objetivo de
canonizar a Bíblia. O processo era muitíssimo natural e dinâmico. O
desenvolvimento da história real da criação do cânon do Antigo e do Novo
Testamento será discutido mais tarde (caps. 7 e 9). O que devemos registrar
aqui é como as cinco regras determinadoras da canonicidade foram 1
usadas no processo de descobrir que livros eram inspirados por Deus,
sendo, por isso, canônicos.
Alguns princípios estão apenas implícitos no processo. Embora todos
os cinco elementos estejam presentes em cada documento escrito e
inspirado, nem todas as regras de reconhecimento ficam visíveis na decisão
sobre a provável (ou improvável) inspiração de cada livro. Nem sempre
parecia imediatamente óbvio ao antigo povo de Deus que determinado
livro fosse "dinâmico" ou "autorizado". Era-lhes mais óbvio o fato de um
livro ser "profético" e "aceito". Você pode ver facilmente como a expressão
implícita "assim diz o Senhor" desempenhava papel de grande importância
na descoberta e na determinação dos livros canônicos, reveladores do plano
redentor global de Deus. No entanto, às vezes acontecia o contrário; em
outras palavras, o poder e a autoridade de um livro eram mais visíveis do
que sua autoria (e.g., Hebreus). De qualquer maneira, todas as cinco
características estavam presentes na descoberta e na determinação de cada
livro canônico, ainda que alguns desses princípios só fossem aplicados de
modo implícito.
Alguns princípios atuavam de modo negativo no processo. Algumas
das regras de reconhecimento atuavam de modo mais negativo que outras.
Por exemplo, o princípio da confiabilidade eliminava mais depressa os
livros não-canônicos, não tendo a mesma rapidez para indicar os
canônicos. Não existem ensinos falsos que, apesar disso, sejam canônicos;
no entanto, há muitos escritos que expõem a verdade sem jamais terem
sido inspirados. De modo semelhante, muitos livros que edificam ou
apresentam dinâmica espiritual positiva não são canônicos, embora
nenhum livro canônico deixe de ter importância no plano salvífico de
Deus.
Semelhantemente, um livro pode reivindicar autoridade sem ser
inspirado por Deus, como o mostram os muitos livros apócrifos, mas
nenhum livro pode ser canônico sem que seja revestido de autoridade
divina. Em outras palavras, se a um livro faltar autoridade, é certo que não
veio de Deus. Mas o simples fato de um livro reivindicar autoridade para si
mesmo não o torna, ipso facto, inspirado. O princípio da aceitação tem
função primordialmente negativa. Nem mesmo o fato de um livro receber
aceitação de parte do povo de Deus significa prova de sua inspirado.
Muitos anos depois, passadas algumas gerações de cristãos, alguns destes,
mal-informados a respeito da aceitação ou da rejeição pelo povo de Deus
dos livros propostos, atribuíram reconhecimento local, temporal, a certos
livros não-canônicos (e.g., alguns livros apócrifos; v. caps. 8 e 10). O
simples fato de um livro qualquer ter sido aceito em algum lugar, por
alguns crentes em Cristo, de modo algum constitui prova da canonicidade e
da inspiração de tal livro. O reconhecimento inicial de determinado livro,
pelo povo de Deus, que estava na melhor posição possível para testar a
autoridade profética desse livro, é elemento de cabal importância. Levou
algum tempo até que todos os segmentos das gerações posteriores de
cristãos ficassem totalmente informados a raspei to das circunstâncias
iniciais. Assim, a aceitação por parte desses cristãos posteriores é
importante, mas funciona como apoio adicional.
O princípio realmente essencial substitui todos os demais princípios.
No alicerce de todo o processo de reconhecimento existe um princípio
fundamental — o da natureza profética do livro. Se um livro houver sido
escrito por um profeta prestigiado e honrado de Deus, e se ele afirmar que
apresentará uma enunciação autorizada da parte de Deus, nem há
necessidade de formular as demais perguntas. É claro que o povo de Deus
reconheceu esse livro como poderoso e verdadeiro, quando lhes foi
entregue por um profeta de Deus. Quando não havia confirmação direta da
vocação desse profeta da parte de Deus (como freqüentemente havia, cf.
Êx 4.1-9), então a confiabilidade, a habilidade dinâmica desse livro e sua
aceitação pelo povo, ou seja, pela comunidade cristã original, seria
elemento essencial para o reconhecimento posterior de sua inspiração.
A questão de poder ou não a falta de confiabilidade afastar a
confirmação de um livro profético é puramente hipotética. Nenhum livro
concedido por Deus pode ser falso. Se um livro que se considera profético
apresenta falsidade inquestionável, é preciso que se reexaminem suas
credenciais proféticas. Deus não pode mentir. Dessa forma, os outros
quatro princípios servem para conferir o caráter profético dos livros do
cânon.


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