Amando um Deus que não se vê


A pergunta sobre como amar um Deus invisível tem sido refletida por teólogos e filósofos ao longo dos séculos. A Bíblia, especialmente nos escritos dos primeiros seguidores de Jesus, confirma que Deus é, em muitas ocasiões, invisível aos seres humanos. Em Colossenses, lemos que Yeshua é "a imagem do Deus invisível (ἀοράτου, aorátou), o primogênito de toda criação" (Colossenses 1:15). Da mesma forma, 1 Timóteo 1:17 refere-se a Deus como "imortal e invisível (ἀοράτῳ, aoráto)". Deus habita "em luz inacessível" (1 Timóteo 6:16), o que torna impossível para os seres humanos vê-Lo diretamente, assim como os israelitas "não viram forma alguma" quando Deus Se manifestou no Monte Sinai (Deuteronômio 4:15).

No pensamento hebraico, a invisibilidade de Deus não significa ausência, mas destaca Sua santidade e transcendência. A palavra hebraica para "ver" é ra'ah, que muitas vezes está associada a uma percepção espiritual além da visão física. Deus Se revela de maneiras que vão além dos sentidos humanos, como através da Shekiná, a manifestação visível de Sua presença, muitas vezes retratada como luz ou fogo. A Shekiná no Monte Sinai é uma tipologia que aponta para a santidade de Deus, e Sua manifestação visível em Jesus cumpre essa expectativa messiânica.

Amor ao Próximo: Uma Manifestação Visível do Amor a Deus

Um dos maiores desafios enfrentados pelos crentes é cultivar um relacionamento com um Deus invisível. No entanto, a tradição judaica antiga e o Novo Testamento oferecem uma resposta clara: o amor ao próximo é a expressão visível do amor a Deus. O apóstolo João afirma essa conexão em sua primeira carta:

"Se alguém diz: 'Eu amo a Deus', mas odeia seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. E temos dele este mandamento: quem ama a Deus, ame também seu irmão." (1 João 4:20-21)

Aqui, João une os dois maiores mandamentos da Torá, mencionados por Jesus em Mateus 22:37-40: o amor a Deus e o amor ao próximo. A lógica de João é simples: se alguém tem dificuldade em amar uma pessoa visível, como pode amar um Deus invisível? Esse princípio ecoa o conceito judaico de Ahavat Israel (amor a Israel, ou amor ao próximo), que é visto como uma maneira prática de demonstrar amor a Deus.

O filósofo grego Sócrates tinha uma perspectiva semelhante sobre a ética das relações interpessoais. Ele argumentava que virtudes como a justiça e o amor deveriam ser refletidas no tratamento ao próximo, o que, por sua vez, revela o relacionamento da pessoa com o divino. Embora Sócrates não falasse de Deus no mesmo sentido dos pensadores cristãos posteriores, sua filosofia enfatizava que o modo como tratamos os outros é um reflexo de nossa condição moral e espiritual.

No entendimento hebraico, a palavra para "amor" é ahavá, e seu significado vai além da afeição emocional, englobando ações e responsabilidade para com o outro. Portanto, o amor ao próximo reflete o relacionamento de aliança com Deus, que, embora invisível, Se torna visível por meio de nossas interações humanas.

Filo de Alexandria e o Conceito de Honra

O filósofo judeu do primeiro século, Filo de Alexandria, também abordou esse tema em suas reflexões sobre o mandamento de honrar os pais. Ele escreveu:

"Os pais são servos de Deus para a propagação dos filhos, e aquele que desonra o servo desonra também o mestre... E é impossível que o Deus invisível seja piedosamente adorado por aqueles que se comportam de forma ímpia em relação àqueles que são visíveis e próximos a eles."

As palavras de Filo ecoam o ensino encontrado em 1 João: a maneira como tratamos aqueles ao nosso redor é um reflexo de nossa verdadeira adoração a Deus. No hebraico, a palavra para "honra" é kavod, que tem a raiz relacionada a "peso" ou "importância". Honrar alguém é dar-lhe o devido valor, e isso reflete diretamente como percebemos e nos relacionamos com Deus. O conceito de honra, tanto nos escritos de Filo quanto na tradição judaica, serve como uma ponte entre nosso relacionamento com outros humanos e com o divino.

O filósofo grego Platão também abordou a importância da honra e do respeito nas relações humanas, especialmente em suas discussões sobre justiça. Platão acreditava que a justiça nos assuntos humanos era um reflexo de uma ordem divina superior. Ao honrar os outros e agir com justiça, os indivíduos se alinham com a vontade divina, mesmo que essa ordem divina seja invisível ou abstrata.

Kant e o Dever Moral

Avançando para a filosofia moderna, Immanuel Kant também lidou com a ideia de uma lei moral invisível e o dever de tratar os outros com respeito e amor. O conceito kantiano do imperativo categórico—que exige que ajamos de uma maneira que possamos desejar que seja uma lei universal—alinha-se com a ideia de amar o próximo como uma manifestação de um dever moral superior. Kant argumentou que, embora Deus possa ser invisível ou além da compreensão humana, nossas obrigações morais para com os outros são uma manifestação visível de nossa devoção a uma lei ética superior, que, para Kant, era sinônimo do divino.

Conclusão

Amar um Deus invisível é um desafio que tem sido discutido por pensadores judeus e cristãos, bem como por filósofos ao longo da história. As Escrituras ensinam que o amor ao próximo é uma maneira tangível de expressar o amor a Deus. Esse princípio é ecoado nos escritos de Filo, nos ensinamentos de Sócrates e Platão, e até na filosofia moral de Kant. No fim, nossos relacionamentos com os outros servem como reflexo de nosso relacionamento com Deus. Embora Deus seja invisível, Ele Se revela através de nossas ações de amor, honra e serviço aos que nos rodeiam. Assim, por meio dessas ações, tornamos visível o amor que temos pelo Deus invisível

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