Estranha, Mas Eu Desde criança, sempre me senti um tanto deslocada. Eu brincava de boneca, gostava de conversar com minhas amigas, de dançar e até de jogar xadrez. Mas, mesmo no meio das brincadeiras, sentia uma sede diferente — uma fome de palavras. Lia tudo o que caía em minhas mãos, até os jornais velhos que vinham embrulhando a carne do açougue. Descobria no silêncio das letras um mundo que, talvez, me entendesse melhor do que eu mesma conseguia. (“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” – João 1:1) Na juventude, quando comecei a trabalhar, todo dia comprava jornal. Lia inteiro: economia, política, esportes, até os obituários. Nada me escapava. A leitura era minha forma de respirar. Trabalhar e estudar era minha rotina, e eu me orgulhava da força que vinha dessa dedicação. (“Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças” – Eclesiastes 9:10) Mas um dia, um acidente mudou a minha história. De repente, os limites que eu nunca conheci se instalaram no meu corpo. Tive que aprender a viver de outro jeito. Houve lágrimas, dor, frustrações, mas também houve superação. Descobri que a vida não é feita só de velocidade, mas também de pausas, e que até no silêncio forçado há aprendizado. (“A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” – 2 Coríntios 12:9) Hoje, com 64 anos, sinto que carrego tanto caminho percorrido, mas ao mesmo tempo me vejo lutando contra algo ainda mais profundo: não uma exclusão social, mas uma exclusão de mim para mim. Eu mesma me excluo, às vezes por me achar estranha, às vezes por não mais me reconhecer. É uma sensação sutil, um diálogo interno que me distancia de quem fui e de quem sou. (“Ainda na velhice darão frutos, serão viçosos e florescentes” – Salmo 92:14) Sim, eu sou diferente. Talvez nunca tenha pertencido aos grupos que riem das mesmas piadas ou falam das mesmas coisas banais. E hoje percebo que essa diferença não precisa ser uma vergonha. É um traço. É a marca da minha caminhada. (“Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente” – Romanos 12:2) Escrevo como desabafo, mas também como lembrança: não importa quantos anos tenhamos, a sede de aprender, de pensar, de questionar nunca se apaga. O corpo pode impor limites, mas a mente continua fértil, cheia de perguntas, cheia de vida. (“Instruir-te-ei e ensinar-te-ei o caminho que deves seguir; guiar-te-ei com os meus olhos” – Salmo 32:8) Se me sinto excluída? Sim. Se dói? Dói. Mas talvez essa dor seja a prova de que ainda não me acomodei. Ainda quero mais. Ainda busco. Ainda leio. E, se for para ser estranha, que eu seja — mas estranha que pensa, que sente, que escreve, que permanece viva no meio de um mundo que tantas vezes insiste em nos apagar. (“Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo: eu venci o mundo” – João 16:33)
Eu escuto muito que sou estranha. Acho que devo ser mesmo, mas mesmo estranha, ainda sou eu.... Desde criança, sempre me senti um tanto deslocada. Eu brincava de boneca, gostava de conversar com minhas amigas, de dançar e até de jogar xadrez. Mas, mesmo no meio das brincadeiras, sentia uma sede diferente — uma fome de palavras. Lia tudo o que caía em minhas mãos, até os jornais velhos que vinham embrulhando a carne do açougue. Descobria no silêncio das letras um mundo que, talvez, me entendesse melhor do que eu mesma conseguia. Na minha casa nunca faltou livros e muitas vezes eu me pegava lendo enciclopédias, tipo Barsa, lendo-a como se fosse um livro, em ordem alfabética. Tínhamos muitos livros clássicos e aos 11 anos, já tinha lido Ilíada, Homero, A divina Comédia. Mas é lógico que não faltavam os livros infanto juvenis. No ano em que fiz 11 anos, já tinha lido a coleção completa de Monteiro Lobato pelo menos 3 vezes. Digo pelo menos, pois os que eu gostava mais eu relia sem par...