Identidade, Imagem e a Velha Tentação da Idolatria



Em todas as épocas, o ser humano buscou entender quem é, de onde veio e para onde vai. Essas perguntas não surgem apenas nos momentos de crise, mas estão presentes na própria textura da existência. A tradição bíblica sempre ensinou que a identidade humana não nasce do vazio nem da autonomia absoluta, mas de um ato pessoal e amoroso do Criador: fomos feitos à imagem de Deus. Esse ponto de partida é a âncora que sustenta tudo o que somos. Quando afastamos essa verdade, abrimos caminho para a confusão, a desordem e, inevitavelmente, para a idolatria.

A Escritura apresenta a identidade como algo recebido, não construído artificialmente. Deus molda o ser humano para refletir Seu caráter, Sua moralidade, Seu senso de ordem e propósito. Carregamos em nós a marca do Deus que criou todas as coisas, e é essa marca que nos distingue e ao mesmo tempo nos responsabiliza. O homem não foi criado para ser o centro do universo, mas para refletir a glória Daquele que é o verdadeiro centro. Quando isso se perde, perde-se tudo.

A idolatria surge precisamente quando o coração humano tenta assumir um lugar que não lhe pertence. Desde o Éden, a tentação tem sido a mesma: substituir o Criador pela criatura. A idolatria é sempre uma inversão — um deslocamento da imagem. Em vez de refletir Deus, passamos a refletir aquilo que colocamos em Seu lugar. Não se trata apenas de imagens de madeira ou pedra, mas de qualquer coisa que ocupe o lugar de referência da nossa identidade: poder, prazer, aprovação, status, sucesso, até mesmo relacionamentos ou sonhos pessoais.

Na modernidade, essa idolatria aparece de forma mais sofisticada. A cultura incentiva o indivíduo a “criar a própria verdade”, “seguir o próprio coração” e “construir quem deseja ser”. À primeira vista, isso parece libertador. Mas, na prática, transforma o ser humano numa obra instável, dependente de emoções passageiras e pressões externas. Quando a identidade não está firmada em Deus, acaba se tornando um espelho quebrado: fragmentada, insegura, sempre precisando de novas validações para se sustentar.

O expressivismo contemporâneo — essa ideia de que o eu interior deve ser celebrado acima de qualquer padrão externo — é apenas uma versão renovada da idolatria antiga. O coração humano, ensinou a tradição cristã, é uma fábrica de ídolos. Quando Deus não define quem somos, algo mais definirá. E esse “algo” sempre exigirá sacrifício: tempo, energia, relacionamentos, saúde emocional e, em alguns casos, até a própria fé.

A restauração da identidade passa necessariamente pela redescoberta da imagem original. A Bíblia afirma que Deus não apenas criou o homem conforme Sua imagem, mas também enviou ao mundo a perfeita expressão dessa imagem: Cristo. Nele vemos não apenas quem Deus é, mas quem deveríamos ser. Ele não apenas restaura; Ele reordena. Ele devolve ao ser humano a capacidade de viver alinhado ao seu propósito primordial: refletir o Criador.

Essa restauração, porém, não acontece isoladamente. A fé cristã sempre compreendeu que a identidade se fortalece dentro de uma comunidade moldada pela Palavra. A vida em comunhão — com suas práticas antigas de culto, ensino, oração, obediência e humildade — funciona como um remédio contra a autossuficiência e contra a fabricação de ídolos. É no corpo que somos lembrados diariamente de que pertencemos a Deus e de que nossa vida só encontra sentido quando refletimos Sua glória.

Num tempo de tantas vozes concorrentes, a igreja é chamada a recuperar essa verdade antiga: a identidade só floresce quando se volta ao Criador. Somos imagem de Deus, não imagem dos nossos ídolos. Somos obra de Suas mãos, não produto de nossas fantasias. E quando essa verdade volta ao centro, o coração encontra descanso, ordem e direção.

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