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A Alma Hebraica do Salmo 10

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O Salmo 10 começa com uma pergunta que atravessa os séculos e ainda ressoa no coração humano: “Por que, Senhor, permaneces longe? Por que Te escondes em tempos de angústia?” (Salmo 10:1) Essas palavras rompem o silêncio que todo crente já experimentou — aquele momento em que Deus parece distante, quando a injustiça prospera, quando a oração parece não alcançar o céu. Em hebraico, o salmo se inicia com a frase “Lamah Adonai ta‘amod berachok?” (לָמָה יְהוָה תַּעֲמֹד בְּרָחוֹק) — um clamor que nasce da fé e ousa lutar com o próprio Deus. O salmista não fala com formalidade religiosa, mas com dor genuína. Ele observa o ímpio triunfar e o inocente sofrer, e grita diante do aparente silêncio divino. No verso 1, ele usa o termo nis'tar (נִסְתָּר) — “oculto” — para expressar essa sensação de afastamento. Mas esse “ocultar-se” não significa ausência . Na mente hebraica, trata-se do conceito de hester panim (הֶסְתֵּר פָּנִים) — “a ocultação do rosto de Deus”. É o mistério de quando o...

Quando a glória se torna queda

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As Nove Pedras de Ezequiel 28 e o Chamado Antigo à Humildade Poucas passagens das Escrituras possuem uma combinação tão forte de beleza e advertência quanto Ezequiel 28. Ali, encontramos a descrição de uma figura majestosa — o “querubim da guarda ungido”, adornado com nove pedras preciosas, estabelecido no monte santo de Deus, cercado de esplendor. Mas é justamente essa figura gloriosa que protagoniza uma das mais trágicas quedas espirituais já registradas na linguagem profética. A tradição sempre leu esse texto como um duplo retrato: por um lado, o rei de Tiro, poderoso e orgulhoso; por outro, uma figura celestial cuja glória o levou a se exaltar além do que lhe cabia. Não importa qual camada interpretativa se escolha — ambas revelam uma verdade eterna: a glória recebida pode se transformar em armadilha quando o coração deixa de reconhecer Aquele que deu a glória. Deus não descreve as nove pedras por acaso. No mundo antigo, pedras preciosas carregavam significado espiritual, status, ...

A mulher sábia de Abel-Bete-Maaca

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A história está em 2 Samuel 20:14–22 . Durante o reinado de Davi, houve uma rebelião liderada por um homem chamado Seba, filho de Bicri , que se levantou contra o rei. Joabe, general de Davi, perseguiu Seba até a cidade de Abel-Bete-Maaca , no extremo norte de Israel. Ali, Seba se refugiou. Joabe cercou a cidade, ergueu rampas e começou a destruí-la. Mas, antes que a tragédia se consumasse, uma mulher sábia saiu para conversar com o comandante: “Então uma mulher sábia gritou da cidade: Ouvi, ouvi! Dizei a Joabe: Chega-te cá, e eu falarei contigo.” (2 Samuel 20:16) Ela se apresenta como representante do povo e questiona a violência desnecessária. “Por que devorarias a herança do Senhor?” (v.19) Após diálogo direto e corajoso, ela propõe uma solução: a cidade entregaria o traidor Seba, poupando todos os demais. Joabe aceita, e a mulher convence seu povo. Seba é morto, e a cidade é salva. 2. Quem era essa mulher? O texto não diz seu nome, mas a chama de “mulher sábia” (אִ...

Meu primeiro avental - Uma reflexão sobre o envelhecimento à luz da fé

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O tecido era simples — algodão cru, com uma fita azul-clara costurada de forma torta. Eu devia ter uns oito anos. Lembro-me do toque áspero nas mãos pequenas, das linhas desalinhadas e da alegria ingênua de quem brincava de ser adulta. Ganhei aquele avental como quem ganha um brinquedo. Não fui ensinada a ser dona de casa — não havia receitas, nem conselhos sobre como manter um lar — mas naquele pedaço de pano havia um presságio. Ele dizia, silenciosamente, que um dia eu teria um lugar onde poderia amar e ser amada. Durante anos, o guardei. O avental ficou dobrado em alguma gaveta como um símbolo discreto de esperança. Era mais do que um pano: era a lembrança de uma menina que sonhava com o cheiro de pão assando, com uma mesa cercada de vozes, com o som de uma vida inteira pulsando entre as paredes do lar. Agora, porém, ele não está mais aqui. Procuro-o e não encontro. Vasculho as gavetas, as caixas antigas, e a mim mesma. Nada. Às vezes penso que talvez nunca tenha existido. Out...

Os gigantes de Davi que revelam quem somos

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Os gigantes e a jornada espiritual de Davi  O capítulo 21 de 2 Samuel registra um conjunto de batalhas pouco comentadas, porém riquíssimas em significado. Davi e seus homens enfrentam cinco gigantes filisteus — remanescentes dos antigos Refaím — cada um trazendo um nome que carrega um simbolismo raro para a formação espiritual do rei. Na tradição hebraica, nomes não descrevem apenas pessoas, mas também estações, experiências e convites divinos. Assim, quando examinamos Golias, Isbi-Benobe, Safe, Lami e o guerreiro anônimo de Gate, descobrimos que a história desses gigantes funciona como um espelho da própria jornada de Davi. 1. Golias (גָּלְיָת, Golyat ) — O exílio que inaugura a coragem O nome Golias, Golyat , está ligado à raiz hebraica galut (גָּלוּת), “exílio”. Isso nos faz ler a famosa batalha contra o gigante com novos olhos. Davi, ainda jovem, é arrancado de sua rotina pacata de pastor e lançado num campo de guerra que jamais escolheria por conta própria. Esse é o prim...

Não toqueis em meus ungidos.....

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A expressão “Não toqueis nos meus ungidos” aparece em dois lugares na Escritura: 1 Crônicas 16:22 Salmo 105:15 Ambos os textos são praticamente idênticos: > “Não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas.” (ARA) A quem Deus estava se referindo? O contexto não é sobre pastores ou líderes da igreja. Deus está falando dos patriarcas — Abraão, Isaque e Jacó — e de como Ele os guardou enquanto peregrinavam em terras estrangeiras. No Salmo 105, o salmista está recontando a história de Israel, lembrando: A promessa feita a Abraão A peregrinação dos patriarcas A proteção de Deus sobre eles O cuidado de Deus para que reis de outras nações não os maltratassem Ou seja, “ungidos” aqui significa o povo escolhido por Deus naquela fase da história, antes mesmo de existirem reis em Israel. O sentido original “Ungido” não era um título exclusivo de alguém acima dos outros, mas sim aquele escolhido por Deus para um propósito específico — e isso incluía o povo inteiro (Êxod...

O Senhor tem cuidado de nós: Mergulho da alma

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Temos sido esponja seca, Senhor, confessamos sem rodeio, sem temor. Guardamos demais, por tempo prolongado, dores que deveriam ter sido chorado. E assim o peito ficou áspero e tenso, o toque pesado, o olhar denso. A voz, por vezes, feriu sem querer, pois o coração duro não sabe acolher. Mas a alma que não se derrama endurece — e não inflama. Por isso hoje estamos aqui, rendidas, sem máscaras, sem forças fingidas. Deixando-nos afundar em Ti, no silêncio que cura e que diz: "Filha, descansa. Eu faço nova a tua raiz." Como a esponja que encontra a água e sem esforço se deixa amaciar, assim queremos ceder ao Teu toque, permitindo o Espírito nos inundar. Penetra, Senhor, os lugares secos, as memórias guardadas, os becos secretos. Destrava os choros que silenciamos, desfaz as palavras que nunca soltamos. Que a água viva circule em nós, de dentro para fora em santo momento  Até que voltemos a ser novamente: macias, serenas, de alma ardente. Não queremos apenas ser úteis...