A Dor do Luto

Salmo 30:5b: O Choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã

Desde muito nova, aprendi a transformar minha dor em palavras. Cada vez que a tristeza, a frustração ou a saudade se tornavam quase insuportáveis, eu as transportava para o universo das palavras, dissolvendo-as entre as linhas e os espaços em branco de folhas de papel. Minhas canetas tornaram-se as ferramentas com as quais eu esculpia meu refúgio, minha forma de dialogar com o mundo e comigo mesma.

Neste processo, percebi que a dor, quando compartilhada em palavras, perde parte de seu peso, transformando-se em algo maior e, paradoxalmente, em um tipo de alívio. Cada palavra escrita era como uma pequena libertação, um passo em direção à compreensão e aceitação de meus sentimentos mais profundos.

Isso me ensinou que escrever a é uma forma  de cura. Por meio dela, somos capazes de dar voz ao que muitas vezes permanece inexprimível por outros meios. As folhas de papel tornaram-se testemunhas silenciosas de minha identidade, guardando em cada linha um pedaço da minha história, das minhas lutas e das minhas vitórias.

Ao compartilhar minhas experiências e emoções através da escrita, também descobri a capacidade de conectar-me com os outros de maneira profunda e significativa. Descobri que minhas palavras poderiam confortar, inspirar e provocar reflexão, criando pontes entre minhas vivências e as das pessoas que liam o que eu escrevia. 

Este caminho me mostrou que, embora a dor seja uma parte inevitável da condição humana, também é uma fonte de incrível força e inspiração. Aprendi que, ao abraçar minha vulnerabilidade e expressá-la em palavras escritas, posso transformar minha dor em algo belo e, quem sabe, ajudar outros a fazer o mesmo.

Neste momento, estou envolta em uma névoa de dor e tristeza, tentando entender a devastadora realidade que se abateu sobre mim, Meu filho mais velho, partiu de forma abrupta há dois dias, vítima de uma hemorragia abdominal alta e edema pulmonar. A rapidez com que tudo aconteceu me deixou em estado de choque e incredulidade, lutando para aceitar a realidade de sua morte.

A crueldade da sua partida me privou da chance de despedidas, de expressar todas as palavras de amor e carinho que permaneceram não ditas. E agora, enfrento o luto. Um processo árduo e necessário, marcado  pela profunda dor da perda. Cada lágrima que derramo, cada memória que me visita, é um fragmento do legado que ele deixou - um legado repleto de amor e de momentos de muita dor.

Encontro-me olhando em suas fotos e lembrando de sua infância, tão permeada de cuidados com sua saúde fragilizada. Lembro-me do médico dizendo que ele não viveria até o raiar do dia, quando ele tinha ainda apenas cinco meses. Mas ele sobreviveu, sempre cercado de cuidados, com muitas sequelas físicas. Chegou o dia que ele  se tornou independente e foi-se embora para trabalhar. Encontrou uma família que o acolheu com amor e assim prosseguiu sua vida. Longe fisicamente de mim, mas para o coração de uma mãe, não importa a distancia ou a dificuldade de comunicação. O amor de mãe não necessita ser regado, ele continua a existir mesmo se o filho está distante. 

Agora ele se foi de vez. Não vou mais ficar esperando uma noticia, um telefonema. Acabou. 

Reconheço que o luto é uma jornada de altos e baixos, que, espero, eventualmente me guie a um estado de aceitação e paz. Contudo, a aguda dor desta perda sublinha a profundidade do amor que sinto, um testemunho da incrível capacidade do coração humano de amar intensamente e, em contrapartida, sentir profundamente a falta de quem se ama. 

Neste momento tão sombrio, agarro-me à esperança e à fé, procurando forças para encarar cada novo dia. A fragilidade e a incerteza da vida ensinam-me sobre o valor de cada instante vivido, de cada abraço, de cada palavra de amor partilhada. Com isso em mente, busco honrar a memória do meu filho, vivendo de uma forma que reflita o amor de Deus sobre nós. 

No meio dessa tempestade de tristeza e perda, uma certeza começa a emergir lentamente no horizonte da minha alma: sei que vou voltar a sorrir. Esse conhecimento não vem de uma negação da dor que agora me consome, mas de uma profunda consciência do amor que me cerca. Mesmo nas sombras mais escuras deste momento, sinto o calor e a luz emanados pelo amor do meu marido, pela presença constante e reconfortante dos meus outros filhos, e pelo apoio inabalável de amigos e familiares.

Esse amor, multifacetado e incondicional, funciona como um bálsamo para o meu coração ferido, oferecendo-me pequenos vislumbres de alegria e esperança mesmo quando a tristeza parece insuperável. Cada gesto de carinho, cada palavra de conforto, cada abraço apertado serve como um lembrete de que, embora a vida possa ser imprevisivelmente cruel, também é repleta de momentos de beleza e conexão humana profunda.

Com o tempo, começo a perceber que o sorriso voltará aos meus lábios não apenas como uma expressão de felicidade passageira, mas como um reflexo do amor duradouro que continua a envolver-me, mesmo na ausência do meu filho. A força desse amor, proveniente de tantas fontes preciosas, me encoraja a enfrentar cada novo dia com um pouco mais de esperança e a encontrar beleza nos pequenos momentos de vida que ainda restam.

Este caminho em direção à luz não será fácil, nem linear. Eu sei, afinal, esta não foi minha primeira perda. Haverá dias em que a dor parecerá insuperável novamente, mas também haverá momentos de doce lembrança e alegria serena, sustentados pelo amor que recebo de todos ao meu redor. É esse amor que me dará forças para continuar, para redescobrir a capacidade de me deleitar com a vida, apesar da sua fragilidade e dor.

Então, sei que, eventualmente, voltarei a sorrir - um sorriso que carrega em si todas as nuances da minha jornada: a perda, a saudade, o amor e a gratidão. Um sorriso que será, de certa forma, uma homenagem à vida do meu filho e à resiliência do espírito humano, capaz de encontrar luz mesmo nos momentos mais sombrios. E, nesse sorriso, haverá a certeza de que o amor, em todas as suas formas, é o que nos sustenta através das tempestades da vida.

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