O Processo do Livre Arbitrio

 




Imaginemos um homem que fuma tanto que as dores em seu peito não o deixam dormir. A aflição é tanta que ele decide parar de fumar. Não é preciso convencê-lo que o fumo prejudica a saúde, além de ser um hábito reprovável. Ele levanta-se pela manhã, seu vício levanta junto e ele sente um desejo incontrolável de fumar. Inicialmente, este homem consegue controlar este desejo, que aumenta a cada momento. Finalmente, diz a si mesmo: “Fumarei só um cigarro; um cigarro apenas não me fará mal”. Pouco tempo depois de ter fumado “apenas um cigarro”, ele sente uma nova e irrefreável vontade de fumar. Novamente, diz a si mesmo: “Mais um cigarro não me fará mal”. Assim segue o dia, ele fuma a quantidade habitual de cigarros e novamente dorme com dores no peito. E no dia seguinte?

Um fumante sabe muito bem que o primeiro cigarro desperta a reação em cadeia que o faz fumar os cigarros seguintes e mesmo assim deixa-se enganar todos os dias pela mesma tentação.


 Quando enganamos a nós mesmos


 Se este homem estivesse frente a uma única e clara escolha, fumar e sentir dor ou não fumar e não sentir dor, não haveria dúvida. A vontade de não sentir dor dominaria com facilidade a vontade de fumar. Como pode a vontade de fumar suplantar uma vontade maior que ela? A resposta é simples: Por meio do truque que mencionamos acima.

 Façamos então a seguinte pergunta: O que faz com que um homem engane a si mesmo (“só um cigarro não me fará mal”), menosprezando o argumento verdadeiro (“um cigarro traz outro cigarro”), ainda que saiba a verdade? E possível que a vontade de fumar supere a lógica do raciocínio? Como isto pode acontecer se a vontade de fumar é menor do que vontade de não sentir dores? (É óbvio que a vontade de fumar é a mais fraca das duas. Se fosse a razão mais forte – para que enganar-se? O homem poderia fumar quanto quisesse, mesmo consciente das dores que sofreria com o decorrer do tempo).

“Algo mais”
Temos que concluir que há algo mais além das duas vontades conflitantes e que é isso que influencia nossa escolha. Este “algo mais” não é outra coisa que não a própria pessoa. Somos nós que desviamos nossos pensamentos da decisão correta, apesar da verdade ser clara e definitiva. Somos nós que adotamos os argumentos falsos a fim de encobrir nossa própria verdade. Duas vontades concorrem dentro do homem e é ele quem decide de forma consciente desprezar as demandas e os argumentos verdadeiros de uma delas, adotando os argumentos inverossímeis da outra, ajudado por fracos pretextos.

O que pressiona um homem a agir deste modo? Não são as vontades concorrentes, mas ele próprio, e o faz livremente. O homem pode dizer a si mesmo: “Por que fingir? O fingimento não é real. Se continuar assim causarei fortes dores a mim mesmo à noite”. Se raciocinar deste modo, este homem deixará de fumar. Por isto, não pode culpar senão a si mesmo.

A Essência da Escolha
É bobagem pensar que foi a vontade mais fraca que fez este homem optar por uma mentira, mesmo sabendo perfeitamente que ela não passa de uma mentira. Mas isto não explica porque a vontade mais forte não fez o homem optar pela verdade, mesmo estando consciente dela. A bem da verdade, ele tem força para decidir-se pela verdade, e aí se enfraquece a intensidade de sua fraca vontade e todos seus argumentos ilusórios. Por outro lado, foi capaz de desprezar conscientemente a verdade, afastando a verdadeira vontade de seus pensamentos e colocando em seu lugar uma mentira. A livre escolha ou livre-arbítrio trata exatamente destas duas possibilidades.

A escolha depende unicamente do próprio homem. Não há força externa alguma nos coagindo. A causa mestre é a própria pessoa. Quem experimenta a livre escolha e por mais de uma vez em sua vida consegue superar seu Iétser Hará, sabe com clareza absoluta que abandonou suas ilusões e que optou pela verdade.

A Realidade da Opção
Quem não travou esta luta, quem nunca tentou derrotar o Iétser Hará e dominar sua própria natureza, jamais entenderá. Qualquer “vontade” sua terá de ser irremediavelmente saciada. Esta pessoa pensa estar sempre à mercê de sua vontade maior. A realidade da escolha se lhe desaparece aos olhos, porque nunca fez uma escolha consciente verdadeira. Por isto, tem a impressão que as forças externas são as que realmente forçam o homem a optar. Aos que negam a existência da livre e soberana escolha do homem, temos de dizer: “Suas opiniões refletem o que está acontecendo no íntimo de seus corações; negam o livre-arbítrio porque jamais escolheram de verdade, vivendo sempre segundo suas inclinações e desejos”.
A arte de Reconhecer a Verdade
Segue que a essência da boa escolha é o reconhecimento da verdade e a essência da má escolha é a aceitação da mentira como sendo a própria verdade. Diz o salmista: “Não haverá deuses estranhos em teu meio”.(Salmos 81:10) Nossos Sábios comentam: “O que são estes deuses estranhos dentro do homem? É o seu Iétser Hará!”(Talmud, Shabat 105b) Também disseram: “Quem escuta seu Iétser Hará é como se estivesse servindo a ídolos”.(Talmud de Jerusalém,Nedarím 9:1) Quem usa de sua livre escolha para negar a verdade que reside em seu coração iguala-se a quem nega a verdade Divina.

extraído do livro Em Busca da Verdade, do Rabino Eliyahu Dessler, Editora Sêfer.

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